
A Cidade Maravilhosa, como é carinhosamente conhecida, guarda uma fascinante história da cidade do Rio de Janeiro que se estende por mais de 460 anos. Atualmente, o Rio é a segunda maior metrópole do Brasil e a décima oitava maior do mundo, abrigando mais de 6,2 milhões de habitantes em sua área de 1.200 quilômetros quadrados.
Além disso, a cidade do Rio de Janeiro destaca-se como um dos principais destinos turísticos internacionais da América Latina e do Hemisfério Sul. Desde sua fundação em 1º de março de 1565, o Rio tem sido um importante centro cultural, econômico e político do Brasil, com um patrimônio tão significativo que parte de seu território foi reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO em 2012.
Neste artigo, vamos explorar a trajetória completa desta cidade icônica, desde seus primeiros habitantes até sua transformação na metrópole vibrante que conhecemos hoje. Acompanhe-nos nesta jornada pela história da fundação da cidade do Rio de Janeiro, revelando os momentos cruciais que moldaram sua identidade única.
Origens e descoberta da Baía de Guanabara
Muito antes de se tornar a “Cidade Maravilhosa”, o território que hoje conhecemos como Rio de Janeiro já despertava admiração pela beleza natural de sua baía. A história documentada desta região começa oficialmente no início do século XVI, quando navegadores europeus avistaram pela primeira vez a magnífica entrada para a Baía de Guanabara.
A chegada dos portugueses em 1502
A Baía de Guanabara foi avistada pelos navegadores portugueses no primeiro dia de janeiro de 1502. Esta descoberta aconteceu durante a primeira expedição costeira enviada pelo rei de Portugal para reconhecimento das terras recém-encontradas no continente americano [1]. A expedição estava sob o comando de Gaspar de Lemos e contava com a orientação do experiente navegador e cosmógrafo italiano Américo Vespúcio [2].
Ao observarem a entrada da baía, os exploradores ficaram maravilhados com a grandeza do local e o brilho do sol refletido nas águas. Durante essa viagem exploratória, cada lugar descoberto recebia o nome do santo do dia correspondente no calendário cristão. Contudo, a Guanabara foi uma exceção a essa regra, pois foi descoberta no primeiro dia do ano, dia dedicado à Virgem Maria [2].
Inicialmente, os navegadores portugueses cometeram um erro de interpretação geográfica. Ao avistarem a vasta entrada da baía, acreditaram estar diante da foz de um grande rio [1]. Esta confusão é compreensível, pois àquela época, não havia distinção clara na nomenclatura entre rios, sacos e baías – todos estes acidentes geográficos eram designados genericamente como “rios” [3].
Os povos indígenas originais
Quando os europeus chegaram à região da Guanabara, o território já era densamente habitado há milênios. De acordo com estimativas de cronistas franceses do século XVI, existiam entre 30 e 40 aldeias ao redor da Baía de Guanabara, cada uma com população variando entre 500 e 3.000 habitantes [4]. Estes números impressionantes mostram que a região era um importante centro populacional indígena.
O território da atual cidade do Rio de Janeiro era ocupado principalmente pela tribo tupi dos tupinambás, também conhecidos como tamoios [1]. Além deles, habitavam a região os temiminós, que ocupavam especificamente a ilha do Governador, então conhecida como ilha de Paranapuã [1]. Arqueólogos estimam que os povos indígenas já estavam estabelecidos na região há pelo menos quatro mil anos antes da chegada dos europeus [4].
Uma das inúmeras aldeias tupinambás no território da atual cidade era a aldeia Carioca (ou Karióka), cujo nome viria a se tornar, posteriormente, o gentílico da cidade [1]. Esta aldeia situava-se estrategicamente na região onde hoje estão os bairros do Flamengo, Laranjeiras, Largo do Machado, Catete e Glória [5]. Quando as naus colonizadoras adentravam a Baía de Guanabara, a aldeia Karióka era a primeira a ser avistada, tendo grande importância nos primeiros contatos entre indígenas e europeus [5].
O significado do nome Rio de Janeiro
A baía foi oficialmente cartografada pelos navegadores portugueses com a toponímia “Rio de Janeiro” [1]. Este nome aparece escrito pela primeira vez em uma carta náutica do “Atlas Müller, de Lopo Homem-Reinés”, Terra Brasilis, datada de 1515/1519 [1]. A origem do nome está diretamente ligada ao mês da descoberta, janeiro de 1502, quando os exploradores confundiram a baía com a foz de um grande rio [1].
Por outro lado, os povos indígenas locais já tinham sua própria designação para esse acidente geográfico. Na língua tupi, a baía era chamada de “Iguaá-Mbara” (iguaá = enseada do rio, e mbará = mar) ou “guana-bara” (“seio do mar”), em referência ao seu formato arredondado e à fartura de pesca que proporcionava [6]. Outra possível origem seria “kûárana pará” (“mar do que se assemelha a enseada”), pela junção de “kûá” (enseada), “rana” (semelhança) e “pará” (mar) [6].
Além do nome da cidade, diversos outros topônimos cariocas têm origem nas línguas indígenas. Bairros e acidentes geográficos conservam nomes de antigas aldeias: Guanabara (baía semelhante a um rio), Pavuna (lugar atoladiço), Irajá (cuia de mel), Ipanema (rio sem peixe), Maracanã (semelhante a um chocalho) e muitos outros [4]. Essa presença linguística é um testemunho vivo da importância dos povos originários na formação da identidade cultural do Rio de Janeiro.
Durante os primeiros contatos, as relações entre indígenas e europeus foram relativamente amistosas. As ygaras (canoas) indígenas acorriam ao encontro das naus estrangeiras trazendo peixes, farinhas, frutas e mantimentos diversos [5]. No entanto, esta harmonia inicial não perduraria, especialmente com a intensificação da colonização portuguesa e as disputas territoriais que se seguiram.
A fundação da cidade do Rio de Janeiro em 1565
A criação oficial da cidade do Rio de Janeiro foi resultado de um confronto internacional pelo domínio da Baía de Guanabara, em uma época em que o litoral brasileiro era alvo de intensas disputas territoriais. A fundação ocorreu em meio a batalhas que determinariam o futuro não apenas da região, mas do domínio português na América do Sul.
A invasão francesa e a França Antártica
Em 1555, a coroa portuguesa enfrentou um desafio significativo quando os franceses estabeleceram a chamada França Antártica na Baía de Guanabara. Sob o comando de Nicolas Durand de Villegaignon, os franceses se instalaram estrategicamente em duas ilhas da baía (atuais Villegaignon e Ilha do Governador) e na região onde hoje está a praia do Flamengo, com a clara intenção de criar uma colônia permanente.
Para fortalecer sua posição, os invasores estabeleceram uma aliança com os indígenas Tamoios, inimigos dos portugueses. Essa cooperação resultou na Confederação dos Tamoios, reunindo diversas tribos do litoral com o objetivo comum de combater os colonizadores portugueses. A presença francesa representava, portanto, uma grave ameaça aos interesses lusitanos na região.
Inicialmente, o Governador-Geral Duarte da Costa tentou expulsar os invasores, sem sucesso. Posteriormente, em 1558, seu sucessor Mem de Sá obteve uma vitória parcial ao atacar o forte Coligny na ilha de Serigipe (atual Villegaignon), mas os franceses retornaram assim que os portugueses deixaram a área.
Estácio de Sá e a batalha pela Guanabara
Diante da persistente presença francesa, o Governador-Geral Mem de Sá solicitou reforços a Portugal. Em resposta, a regente D. Catarina enviou, em 1563, uma frota comandada por Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, para resolver definitivamente o problema.
No dia 1º de março de 1565, Estácio de Sá finalmente desembarcou numa estreita faixa de terra entre o Morro do Pão de Açúcar e o Morro Cara de Cão, declarando oficialmente fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O nome foi escolhido em homenagem ao jovem rei português D. Sebastião, de apenas 11 anos de idade à época.
Logo após a fundação, em 6 de março, a recém-estabelecida cidade enfrentou seu primeiro ataque: três naus francesas e mais de 130 canoas de guerra vindas do Cabo Frio tentaram destruir o assentamento português. Durante dois anos, Estácio de Sá combateu os franceses e seus aliados indígenas, contando com o apoio dos índios Temiminós, liderados pelo Cacique Arariboia.
O confronto decisivo, conhecido como Batalha do Rio de Janeiro, Batalha das Canoas ou Batalha de Uruçumirim, ocorreu em 20 de janeiro de 1567. Neste combate, Estácio de Sá foi atingido no rosto por uma flecha envenenada, vindo a falecer em 20 de fevereiro de 1567, sem ver a conclusão de sua missão. No entanto, a vitória portuguesa foi definitiva, resultando na morte de centenas de Tamoios e cinco franceses, incluindo o chefe indígena Aimberê.
O estabelecimento no Morro do Castelo
Após a vitória sobre os franceses e seus aliados, Mem de Sá tomou a decisão estratégica de transferir a sede da cidade. Em vez de mantê-la na área plana junto ao Morro Cara de Cão, optou por reinstalá-la no então chamado Morro do Descanso, posteriormente conhecido como Morro do Castelo.
Esta escolha não foi casual. Com aproximadamente 60 metros de altitude, o Morro do Castelo oferecia excelente vigilância sobre a Baía de Guanabara, permitindo melhor observação para defesa contra possíveis futuros ataques. Além disso, seu topo mais plano facilitava as construções de pedra e taipa necessárias para uma cidade em crescimento.
No novo local foram rapidamente erguidas as primeiras estruturas urbanas:
A Casa da Câmara e a Cadeia
- A Casa do Governador
- O Colégio dos Jesuítas
- Os Armazéns
- A Igreja dos Jesuítas e a Igreja de São Sebastião
Para este novo núcleo urbano, foi também transferido o marco de pedra da fundação, originalmente instalado na Vila Velha, e os restos mortais de Estácio de Sá foram sepultados na Igreja de São Sebastião. Em agradecimento pela ajuda decisiva na batalha contra os franceses, Mem de Sá doou uma sesmaria (onde hoje está Niterói) ao chefe indígena Arariboia.
A partir desse núcleo inicial no Morro do Castelo, a malha urbana da cidade começou a se expandir, dando origem à capital fluminense. O Rio de Janeiro tornou-se uma Capitania Real, entregue à família Sá para governá-la de forma dinástica, consolidando o domínio português sobre esta estratégica região do litoral brasileiro.
O Rio de Janeiro no período colonial
Após sua fundação e a derrota definitiva dos franceses, o Rio de Janeiro iniciou sua trajetória como um importante ponto estratégico do império português na América. Durante todo o período colonial, a cidade passou por transformações significativas que moldaram não apenas sua estrutura urbana, mas também seu papel político e econômico no cenário colonial.
Desenvolvimento inicial e expansão urbana
O núcleo inicial da cidade, estabelecido no Morro do Castelo em 1567, marcou o começo da expansão urbana do Rio de Janeiro. Sob a liderança de Cristovão de Barros, o povoado começou a se espalhar pelo entorno da Baía de Guanabara, particularmente na região da Baixada Fluminense, dando início à Capitania Real do Rio de Janeiro, que pertencia diretamente à Coroa portuguesa e não a um donatário, como ocorria em São Vicente ou Pernambuco [7].A posição estratégica da cidade oferecia uma combinação perfeita: um porto seguro (a baía), acesso ao Rio da Prata e, posteriormente, às minas de ouro das Gerais. Esta localização privilegiada transformou o Rio no centro de convergência e irradiação das estruturas econômicas, políticas, sociais e culturais para o restante da colônia [8].
No entanto, foi somente a partir do século XVIII, com o crescimento da importância comercial do porto, que a cidade recebeu investimentos significativos em infraestrutura. A Coroa Portuguesa enviou representantes para controlar o fluxo de riquezas, resultando na construção de prédios administrativos, um sistema viário-portuário eficiente, melhorias no abastecimento de água e criação de logradouros públicos [8].
A economia açucareira e o tráfico de escravos
Entre meados dos séculos XVI e XVIII, o Ciclo do Açúcar constituiu uma das principais bases econômicas, sociais e culturais no Brasil Colonial [9]. No Rio de Janeiro, assim como em outras regiões litorâneas, formaram-se engenhos – unidades produtivas que estruturaram boa parte da sociedade colonial e concentravam diversas atividades, incluindo a produção de cachaça nos alambiques [9].
A implementação desse sistema ocorreu por meio da importação do regime de sesmarias pelos portugueses, responsável pela distribuição de terras para produção agrícola na colônia [9]. Este modelo produtivo, conhecido como plantation, caracterizava-se pelo latifúndio, monocultura, produção voltada para exportação e utilização predominante de mão de obra escrava [10].
O tráfico de escravos da África para o Brasil decorreu diretamente desse processo de colonização. Com o declínio da disponibilidade de mão de obra indígena, os portugueses recorreram ao tráfico negreiro como solução para suprir a demanda crescente por trabalhadores nas plantações [11]. Durante o ciclo açucareiro do Nordeste, os portos de Recife e Salvador recebiam o maior número de escravos, mas durante o ciclo do ouro em Minas Gerais, coube ao Rio de Janeiro assumir esse papel [11].
Os portos que recebiam maior número de escravos no Brasil eram Salvador, Rio de Janeiro e Recife; desses portos os escravos eram transportados aos mais diversos locais do Brasil [11]. Calcula-se que, entre 1550 e 1855, entraram nos portos brasileiros cerca de 4 milhões de africanos, em sua maioria jovens do sexo masculino [2].
A descoberta do ouro em Minas Gerais
O final do século XVII marcou uma nova era para o Rio de Janeiro com a descoberta do ouro nas regiões das Minas Gerais. Este acontecimento foi decisivo para a expansão territorial e para uma nova organização administrativa da colônia [6]. Além disso, diminuiu a importância do cultivo da cana-de-açúcar no Brasil, redirecionando os investimentos para a extração mineral [9].
A necessidade crescente de abastecimento na região das Minas, provocada pelo afluxo de população em busca de riquezas, contribuiu para a expansão do Brasil em direção ao Rio Grande, fomentando a criação de gado e rebanhos [6]. Em 1693, foram criadas as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas, mas após o conflito conhecido como ‘guerra dos emboabas’ em 1709, Minas foi separada da capitania do Rio de Janeiro [6].A descoberta do ouro causou um reordenamento completo do espaço brasileiro e uma rápida transformação dos principais eixos de circulação [12]. O Rio de Janeiro despontou como local seguro para transitar a riqueza dos minérios, o lucrativo tráfico de escravos e a importação de produtos, tornando seu porto a principal porta de acesso à África, às Índias e à Europa [8].
Por fim, a extração aurífera e sua importância levaram à transferência da capital colonial de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763, de modo a assegurar a fiscalização nas regiões de mineração [13]. Esta mudança consolidou definitivamente o papel do Rio como centro político e econômico da colônia portuguesa na América.
A cidade como capital da colônia portuguesa
O século XVIII representou um momento decisivo na história da cidade do Rio de Janeiro, quando sua importância estratégica e econômica culminou com a transferência da sede administrativa colonial. Este período marcou não apenas uma mudança de status político, mas também o início de profundas transformações urbanas e administrativas.
A transferência da capital de Salvador para o Rio em 1763
Em 27 de janeiro de 1763, por determinação do rei D. José I, o Rio de Janeiro tornou-se oficialmente a “cabeça do Estado do Brasil”, assumindo o papel de capital da colônia portuguesa na América. Esta transferência da sede administrativa de Salvador para o Rio não foi uma decisão casual, mas sim uma estratégia cuidadosamente planejada pelo Marquês de Pombal, então Secretário de Estado português.
A mudança ocorreu principalmente por razões estratégicas e econômicas. Com a descoberta e exploração das minas de ouro e diamantes, o eixo econômico da colônia havia se deslocado para o centro-sul. O porto do Rio de Janeiro havia se tornado o principal ponto de escoamento dessas riquezas para Portugal, além de servir como entrada para mercadorias e escravos africanos.
Além disso, a localização do Rio oferecia melhor posição para enfrentar as disputas territoriais com os espanhóis na região do Prata, área de intensas relações comerciais com as capitanias do sul. Como descreveu o governador da capitania de São Paulo em 1765, o Rio era “a chave deste Brasil pela sua situação, pela sua capacidade, pela vizinhança que tem com os domínios de Espanha e pela dependência que desta cidade têm as Minas”.
O primeiro vice-rei a administrar a nova capital foi D. Antônio Álvares da Cunha, Conde da Cunha, que governou entre 1763 e 1767. Durante sua gestão, tomou diversas medidas para moralizar práticas administrativas e consolidar o Rio como verdadeiro centro político do Brasil.
Transformações urbanas no século XVIII
A elevação do Rio à condição de capital impulsionou significativas mudanças em sua paisagem urbana. Os vice-reis que se sucederam implementaram obras essenciais para adaptar a cidade às suas novas funções administrativas e representativas.
Após 1763, o coração da cidade passou a pulsar em torno do Paço dos Vice-Reis (antigo Paço dos Governadores), onde decisões políticas importantes eram tomadas. O espaço urbano expandiu-se gradualmente, com a incorporação de áreas rurais ao tecido da cidade. Casas, chácaras e lotes foram desmembrados para acomodar o crescimento populacional.
Durante a administração do vice-rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa (1779-1790), foram priorizadas obras de infraestrutura hídrica, com a construção de chafarizes como o da Pirâmide, no Largo do Carmo. O saneamento também recebeu atenção, resultando no aterro da insalubre Lagoa do Boqueirão da Ajuda, onde posteriormente foi estabelecido o Passeio Público, primeiro parque urbano da cidade, finalizado em 1786.
Já sob o governo do Conde de Rezende, a cidade ganhou suas primeiras luzes públicas à base de óleo de baleia, além de novas vias como as ruas do Lavradio, dos Inválidos e de Rezende. A defesa também foi reforçada com melhorias nas fortificações da Ilha das Cobras, São João e Tamandaré da Lage, além da construção da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição.
O vice-reinado e suas estruturas administrativas
O estabelecimento do vice-reinado no Rio de Janeiro trouxe consigo toda uma estrutura administrativa que anteriormente estava em Salvador. O vice-rei, representante direto da Coroa portuguesa, possuía poderes amplos, embora subordinados às ordens enviadas de Lisboa.
A nomeação de vice-reis para o Brasil tornou-se usual a partir de 1763, apesar de o título já existir desde 1640, quando D. Jorge de Mascarenhas, Marquês de Montalvão, o recebeu com valor apenas honorífico. O último vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos, que entregaria o poder à família real portuguesa quando esta chegou ao Rio em 1808.
A administração do vice-reinado era auxiliada pela Secretaria do Governo da Capitania do Rio de Janeiro, posteriormente sucedida pela Secretaria do Estado do Brasil. Estes órgãos produziam e acumulavam documentos essenciais para a gestão colonial, como minutas de correspondência com Portugal, ofícios sobre contrabando, expedições estrangeiras, comércio, crimes, e questões militares.
Entre os assuntos tratados pela administração do vice-reinado estavam as modificações nos regimentos de infantaria, vigilância de navios estrangeiros, deserção de escravos, e as complexas relações com a Colônia do Sacramento. Os documentos do vice-reinado eram tão importantes que, em 1844, um aviso ministerial determinou que o diretor do Arquivo Público examinasse esses papéis, que em 1853 tiveram seus catálogos revisados e aperfeiçoados.
As transformações implementadas pelos vice-reis no Rio de Janeiro criaram as condições necessárias para que a cidade pudesse, quatro décadas depois, receber a Corte portuguesa e tornar-se a capital de todo o Império lusitano. Dessa forma, o período do vice-reinado consolidou não apenas o protagonismo político do Rio, mas também estabeleceu as bases para sua futura capitalidade nacional.
A chegada da família real portuguesa em 1808
Um marco transformador na trajetória do Rio de Janeiro ocorreu em 1808, quando a cidade, já estabelecida como capital colonial, passou a abrigar a própria corte portuguesa. Este acontecimento único nas Américas redefiniu completamente o papel da cidade e acelerou seu desenvolvimento de forma sem precedentes.
Em 28 de janeiro de 1808, ainda em Salvador, Dom João assinou o histórico Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas [5]. Esta medida revolucionária encerrou o monopólio comercial português, permitindo que produtos brasileiros fossem comercializados diretamente com outras nações sem passar pelas alfândegas da metrópole [5].
Considerada a “primeira experiência liberal do mundo após a Revolução Industrial” [5], a abertura dos portos trouxe profundas transformações econômicas. Além disso, suspendeu o alvará de 1765 que proibia a instalação de indústrias no Brasil [17], diversificando a economia colonial e incentivando a entrada de produtos europeus, especialmente ingleses [17].
Criação das primeiras instituições culturais e científicas
Durante a estadia da família real, o Rio de Janeiro experimentou uma verdadeira renovação cultural e científica. Dom João fundou instituições pioneiras, como:
- O Banco do Brasil e a Real Fábrica de Pólvora (1808) [18]
- O Jardim Botânico (1808), inicialmente um jardim de aclimatação [3]
- A Academia Real Militar (1810), origem da futura Escola Politécnica [3]
- O Real Teatro São João (1813), para entretenimento da corte [18]
- O Museu Nacional (1818), inicialmente chamado Museu Real [19]
Além disso, a transferência integral da Real Biblioteca portuguesa para o Rio, ocorrida em 1810, trouxe valioso acervo literário [18]. O estabelecimento da Imprensa Régia possibilitou a circulação da Gazeta do Rio de Janeiro e, consequentemente, maior disseminação de ideias [17].Essas transformações marcaram o início de uma nova fase na história da cidade do Rio de Janeiro, que deixou de ser apenas uma colônia ultramarina para se tornar, de fato, a sede do Império Português.
A Independência e o papel da cidade
Foi da sacada do Paço Imperial, em janeiro de 1822, que o príncipe regente Dom Pedro anunciou ao povo sua decisão de permanecer no Brasil, no episódio conhecido como “Dia do Fico”. Este momento entrou para a história como marco inicial do processo que culminaria com a Independência do Brasil. Após ser aclamado em 12 de outubro de 1822, no Campo de Santana (posteriormente conhecido como Campo da Aclamação), Dom Pedro tornou-se o primeiro Imperador Constitucional do Brasil, escolhendo manter o Rio de Janeiro como centro político do novo país.
O Rio como capital imperial
Como centro político do Império, o Rio concentrou toda a vida partidária e administrativa do país. A cidade continuou seu desenvolvimento urbano acelerado na segunda metade do século XIX, com edificações utilizando madeira amplamente. O palácio de São Cristóvão permaneceu como residência imperial, enquanto o Paço Imperial funcionava como sede administrativa do governo. Durante este período, o Rio também foi palco de importantes movimentos sociais, como o Abolicionista e o Republicano.
A criação do Município Neutro em 1834
Uma mudança significativa ocorreu em 12 de agosto de 1834, quando o Ato Adicional à Constituição de 1824 estabeleceu o chamado “Município Neutro”. Esta nova unidade administrativa separava a cidade do Rio de Janeiro da província fluminense, que passou a ter Niterói como capital. Dessa forma, o Rio seria diretamente administrado pelo governo imperial, com uma Câmara eleita pela população local para cuidar da vida municipal, sem interferência do presidente da província ou do gabinete dos ministros, exceto em serviços subordinados ao governo nacional. Esta configuração administrativa perdurou até 15 de novembro de 1889, com a Proclamação da República, embora só tenha deixado de existir oficialmente com a promulgação da Constituição de 1891.
A cidade na República Velha e Estado Novo
Com a queda da monarquia em 15 de novembro de 1889, o Rio de Janeiro entrou em nova fase histórica como palco central da jovem República brasileira. A transição de regime ocorreu através de um golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que se tornou o primeiro presidente do Brasil, marcando o início da chamada República Velha.
A transferência da capital para Brasília em 1960
Em 21 de abril de 1960, o Rio de Janeiro deixou de ser a capital federal do Brasil com a inauguração de Brasília. A ideia de transferir a capital para o interior remontava à Inconfidência Mineira (1789) e estava prevista em três constituições republicanas (1891, 1934, 1946) [20]. O presidente Juscelino Kubitschek, empossado em 1956, transformou esta promessa eleitoral em realidade, construindo a nova capital em apenas três anos e dez meses [21].
Consequentemente, milhares de funcionários públicos, autarquias e empresas foram transferidos para o novo centro administrativo, iniciando um gradual esvaziamento político e cultural do Rio [22]. A mudança buscava impulsionar a ocupação do Centro-Oeste e criar uma cidade moderna cujo traçado, projetado por Lúcio Costa, lembrava a figura de um avião [22].
O estado da Guanabara (1960-1975)
Com a transferência da capital, o antigo Distrito Federal transformou-se no estado da Guanabara, conforme determinava a Constituição de 1946 [23]. Este novo estado correspondia exatamente ao território do atual município do Rio de Janeiro.
Seu primeiro governador eleito, Carlos Lacerda, promoveu mudanças radicais entre 1960 e 1965, incluindo a remoção de favelas para regiões como Vila Kennedy e Cidade de Deus, a abertura do Túnel Rebouças e o alargamento da praia de Copacabana [23]. A Guanabara beneficiou-se de uma elevada receita per capita, resultado da dupla arrecadação de impostos municipais e estaduais [23].
Conclusão
Portanto, a história da cidade do Rio de Janeiro reflete uma trajetória extraordinária que atravessa mais de quatro séculos. Desde sua fundação em 1565 até os dias atuais, a cidade passou por transformações profundas: de povoado colonial estratégico tornou-se capital do império português, depois capital do Brasil independente e, finalmente, importante centro cultural e econômico do país.Sem dúvida, cada período histórico deixou marcas indeléveis na identidade carioca. A chegada da família real em 1808 trouxe instituições fundamentais para o desenvolvimento cultural brasileiro. Durante o império, o Rio consolidou-se como centro político nacional. Mesmo após perder o status de capital federal para Brasília em 1960, a cidade manteve sua relevância como polo cultural e econômico.
Assim, o Rio de Janeiro continua sendo um símbolo vivo da história brasileira. Suas ruas, monumentos e instituições contam a história de um lugar que foi muito além de sua beleza natural, tornando-se berço de importantes movimentos culturais e políticos que ajudaram a moldar o Brasil contemporâneo. A Cidade Maravilhosa, reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Mundial, permanece como testemunha privilegiada da formação da identidade nacional brasileira.